Com misto de açoriano e francês, o sotaque de Jean-Paul Melo não esconde as origens do micaelense que, aos 11 anos, emigrou com os pais e avós para Montreal, no Canadá. No entanto, é com gosto que cruza o Atlântico para participar no Campeonato Nacional de ténis em cadeira de rodas, no qual é principal candidato ao título que será atribuído, este sábado, no Complexo de Ténis do Jamor.
Com quatro títulos internacionais de pares, conquistados entre 2012 e 2014, o tenista de 51 anos também conta no currículo com cinco títulos nacionais de singulares (de 2015 a 2018 e 2020) e seis nas duplas, sempre ao lado de Carlos Leitão, o mais titulado a solo, com oito títulos e sete em pares.

“No primeiro Nacional em que participei éramos cinco jogadores, agora somos 16, a federação está de parabéns, tem vindo a fazer um bom trabalho e o nível tem vindo a aumentar, também temos senhoras a começar a jogar, como a Manuela [Oliveira]”, enalteceu Melo que, mesmo ao longe, está atento à concorrência. “O João Couceiro tem estado a jogar muito bem, vamos ver. A minha ideia é sempre chegar às meias-finais. Se ganhar vamos ver. Tenho meias-finais com o Francisco [Aguiar]. E, nos pares, mais um título para defender, ao lado do Carlos Leitão”, analisou o 146.º do ranking mundial, que treina duas ou três vezes por semana, “satisfeito” por ver o nível tenístico da especialidade a aumentar em Portugal. “O que é bom no ténis é que podemos continuar a jogar independentemente da idade”, frisou ainda, referindo-se a Paulo d’Apresentação, o mais novo do grupo, com 16 anos.
Em 2004, um acidente de trabalho acabou por apresentar-lhe o ténis. “Caí de uma altura de três andares, mas temos de olhar para a frente. Passei por um período de adaptação. Tinha casado há pouco tempo. O meu filho tinha sete anos e a minha filha três. Fiquei em cadeira de rodas, pensava no que é que iria fazer, mas tinha de seguir em frente, dar o exemplo. A família ajudou muito nessas alturas difíceis e o ténis é algo que adoro”, sublinhou com sorriso pronto no rosto, enquanto trocava picardias animadas com Aguiar, adversário a dobrar, esta sexta-feira, nas meias-finais de singulares e de pares.

“Depois andei a ver qual o desporto que podia ser melhor para mim. Tinha praticado ténis na escola, mas naquela fase, além do ténis, joguei basquetebol um ano ou dois. As primeiras vezes que peguei na raqueta, parecia que a modalidade não era para mim, mas conheci um senhor que jogava e era treinador que me incentivou. Passei a jogar todos os dias das 9.00 ao meio-dia, durante dois verões e alcancei um certo nível“, relatou o tenista, prosseguindo o relato: “A partir de 2008 ou 2009, comecei a treinar sempre para jogar torneios de nível ITF. Vi que iam organizar um nos Açores e pensei que seria bom participar na minha ilha. Vim ainda competir num internacional em Setúbal e falei com o Joaquim Nunes [coordenador de TCR da FPT]. E assim se deu a estreia no Campeonato Nacional. Quando estou a jogar ténis esqueço-me de tudo! Fisicamente faz bem e mentalmente também”, vincou Jean-Paul Melo, dando conta da importância de “treinar mais para desenvolver a técnica necessária” para compensar o facto de à paraplegia ainda juntar a condição de não ter abdominais.
“No ténis encontrei uma nova vida”, reflete sem dramatismos Jean-Paul Melo, cuja ligação à modalidade não se circunscreve à competição. “Tirei o curso de treinador e dou aulas de ténis duas vezes por semana a pessoas com deficiência. Faço conferências nas universidades e já me pedem para dar aulas de iniciação. Estou sempre ocupado”, relata com o orgulho.