Novembro 6, 2025

Manuela Oliveira: “Não sou nada poupada por ser única mulher, eles não têm pena de mim”

Manuela Oliveira é a única presença feminina no Campeonato Nacional de ténis em cadeira de rodas, que teve início esta quinta-feira, no Complexo Desportivo do Jamor. “Não sou nada poupada por ser mulher, eles não têm pena de mim”, assevera, entre sorrisos, a tenista do CT Famalicão que entrou no mundo do ténis adaptado há três anos.

“Nunca tinha jogado, mas sempre gostei de desporto, cresci no meio de três rapazes, entre bolas e desporto à mistura. Tinha muita pena porque aqui, em Portugal, nunca tivera oportunidade de praticar qualquer tipo de modalidade. Tinha que percorrer 40 ou 50 quilómetros para fazer o que quer que fosse, basquetebol ou andebol. E quando somos crianças, os nossos pais não têm disponibilidade para nos levar. E o ténis surgiu de forma muito engraçada. Publiquei uma fotografia a experimentar ténis em cadeira de rodas com o meu namorado, depois fui contactada pelo Município de Famalicão a dar conta que tinham aberto a modalidade de ténis adaptado e que seria giro eu experimentar. E de uma brincadeira com o meu namorado, passou para o vamos experimentar e já estou em torneios nacionais e internacionais”, recordou a jogadora que tem estreia marcada no Nacional frente a Nuno Vale (ESAF).

Manuela Oliveira (Foto: Beatriz Ruivo/FPT)

Ser uma mulher a competir entre homens tem contribuído para a rápida evolução, no entanto Manuela Oliveira está ciente de que é cedo para falar em títulos nacionais. “Não me posso esquecer que estou fora da minha categoria. Posso considerar já estar mais ou menos ali no meio da tabela dos jogadores portugueses. Há um ano ou dois, nem sequer fazia frente a alguns deles, agora já estou a dar luta. Já ganho um set e é assim que funciona. Tenho perfeita noção também deste desnível. O nível aqui é outro e quanto mais luta eu conseguir dar, significa que mais estou a evoluir. Isto dá-me uma preparação diferente e melhor para depois poder competir com mulheres”, reflete quem, aos 30 anos, saboreou o mês passado a primeira vitória internacional no ITFFS de Montfermeil, em França, competindo com mulheres.

Manuela Oliveira (Foto: Beatriz Ruivo/FPT)

Um encontro ganho que fez Manuela sentir-se a estrela da pequenada. “Têm um conceito muito engraçado de levarem miúdos das escolas das redondezas a conhecer a modalidade, os atletas e assistirem aos jogos. Os miúdos olham para nós como… jogadores internacionais! Estiveram a assistir uma parte do encontro que ganhei e estava eu a sair do campo, quando se acercaram para pedir autógrafos, chamando ‘Portuguesa, portuguesa’! Disseram que tinham uma miudinha portuguesa na turma e que, por isso, chamavam por mim. Foi uma festa! Foi muito giro, foram muito queridos. Têm outra cultura, não olham para nós como uma pessoa com qualquer tipo de deficiência, nós estávamos ali apenas a ser os heróis”, recordou a tenista, empolgada com a experiência e já a incluir mais torneios lá fora na calendarização para 2026.

Manuela Oliveira (Foto: Beatriz Ruivo/FPT)

Momentos que acalentam o “bichinho bom” que se tornou o ténis em cadeira de rodas, onde o “espírito de entreajuda” do grupo é a força motriz para continuar. “Compreendemo-nos uns aos outros, respeitámos o espaço de quem está a chegar, de quem é novo nisto, de quem está a aprender e há o cuidado para com quem está a chegar e nunca jogou. Os mais experientes tentam ensinar, integrar, explicar”, ressalva quem não esconde almejar com participação nos Jogos Paralímpicos, um “sonho algo longínquo, mas presente” e com muito trabalho pela frente.

“Enquanto mantivermos os sonhos enquanto sonhos, não chegaremos lá. A partir do momento em que passarmos os sonhos a objetivos, automaticamente estaremos a trabalhar para que eles aconteçam. Não deixa de ser um sonho para um dia concretizar e estou a trabalhar para isso”, garante a tenista que já inspirou Mariana Fonseca, de Gondomar, a juntar-se ao grupo de treino do CT Famalicão, depois de tê-la visto nas redes sociais.

Manuela Oliveira (Foto: Beatriz Ruivo/FPT)

Arquiteta de profissão, Manuela Oliveira não dispensa conciliar ambas as atividades, diz até que se complementam. “A logística é grande, porque quanto mais sério o ténis se torna, mais tempo exige e mais difícil se torna esta gestão entre o desporto e a arquitetura. Já estou a treinar todos os dias, mas depois faço horas extra no trabalho. Agora vim para o campeonato e trago o computador, para tentar adiantar trabalho. Esta também é a vantagem de estar a trabalhar por conta própria, de poder fazer os meus horários. É muito importante conseguir manter os dois lados, porque o ténis pode ser um mundo muito frustrante, dá muita dor de cabeça e não se alcançam as coisas de um momento para o outro. E é importante podermos tirar a cabeça disto e estarmos focados na parte profissional”, defende a número 12 do ranking nacional.

Manuela Oliveira (Foto: Beatriz Ruivo/FPT)

Em cadeira de rodas desde os dois anos, a famalicense assume não ter memória de outra realidade. “Não há o choque, nem a quebra com uma vida que tínhamos. Quando se cresce com uma deficiência, há aceitações que já são feitas por natureza. No entanto, cresce-se num mundo que não está preparado para nós, que diz que nós não pertencemos, que não temos lugar, que duvida das nossas capacidades”, lembra, sem amargura, nem medo de apontar o dedo ao que está errado. “Tentar criar uma personalidade dentro deste contexto tem as suas dificuldades. Hoje em dia, sei que posso ser aquilo que quiser e chegar onde quiser, mas quando era criança não. Agora, através do telemóvel, temos acesso a muita coisa. Há uns anos, dificilmente teríamos uma profissão, ou chegaríamos à universidade, porque estamos numa cadeira de rodas, tal como o simples facto de conduzir, ter uma casa e uma família. Crescer sem se ter esta abertura do mundo não foi a coisa mais fácil do mundo. Há situações de preconceito que acontecem todos os dias às crianças e parte dos adultos que não deviam acontecer”, remata.