O ténis português vive na Era de Nuno Borges, da memória fresca dos muitos êxitos e recordes de João Sousa que, embora em fevereiro de 2024 tenha anunciado que a última pancada profissional com a raqueta seria dada no Millennium Estoril Open, continua a ser o senhor dos inéditos na história da modalidade. Vive-se esperança com Borges a aproximar-se do 28.º lugar do ranking do vimaranense, acredita-se com Jaime Faria e Henrique Rocha, duas das promessas treinados no Centro Alto Rendimento da Federação Portuguesa de Ténis (FPT), tal como as irmãs Francisca e Matilde Jorge fazem crer que, no feminino, se pode dar passos de história com glória.
Maiato que ganhou a Nadal na terra prometida
Nuno Borges é, na atualidade, o número um nacional e fixou o nome na mente dos portugueses a partir do momento em que superou Rafael Nadal nos pisos ocres de Bastad, Suécia. Afinal, ganhar ao rei terra batida – só no Grand Slam de Roland Garros, o ex-n.º 1 mundial ergueu 14 troféus – fez do maiato o segundo português campeão no circuito ATP.
Regressado de quatro anos nos EUA, onde completou a licenciatura em kinesiologia, na Mississippi State University, pela qual foi finalista em 2019 da NCAA e jogador do ano da ITA, Borges aproveitou o tempo de restrições da pandemia para jogar os torneios que a FPT organizou em solo luso, arrecadou dois títulos nacionais absolutos nesse período e criou alicerces para uma carreira que o catapultou, entretanto, para o top-30 mundial, ano e meio depois de se ter estreado na elite dos 100 melhores.
Mais maduro, o tenista formado por João Maio foi desbravando caminho já sob as diretrizes da equipa técnica do Centro de Alto Rendimento liderada por Rui Machado. Em 2022, ao lado do amigo de infância Francisco Cabral, presenteou os portugueses com um troféu nos pares do Millennium Estoril Open, quatro anos após João Sousa ter sido o primeiro português a conquistar, nos singulares, o ATP 250 luso, naquele que pode ser considerado o momento mais importante do nosso ténis. Por ter sido em casa, diante da família e dos compatriotas que até A Portuguesa entoaram à capela. Mereceu, inclusive, a visita do Presidente República, Marcelo Rebelo de Sousa, ao balneário.
Conquistador dos passos de gigante
A 29 de setembro de 2013, João Sousa deu o primeiro de muitos passos de gigante que fazem dele o melhor tenista português de todos os tempos. Três anos depois de Frederico Gil ter sido protagonista de outro momento marcante da modalidade, ao discutir a final do Portugal Open, a primeira de um ATP nunca antes vista no currículo de jogador luso, o vimaramense foi-se trajando de Conquistador, cognome inspirado no de D. Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal e ex-libris da cidade que o viu nascer a 30 de março de 1989.
Do outro do lado do mundo, no ATP 250 de Kuala Lumpur, e inspirado pela vitória no challenger que a cidade de Guimarães lhe preparara e pelas meias-finais no ATP de São Petersburgo, na Rússia, Sousa encheu-se de confiança com a mesma intensidade que derrubava adversários – entre eles o n.º 4 mundial da época, David Ferrer – salvou match point e bateu Julien Benneteau na final, tornando-se no primeiro português campeão de um ATP.
Seguiram-se mais três troféus – Valência (2015), Estoril Open (2018) e Pune (2022) – num total de 12 finais disputadas nas 396 semanas consecutivas que passou no top-100, enquanto foi exibindo a verve batalhadora pelos courts do mundo. Com o 28.º lugar como a melhor posição de sempre, o vimaranense também fez o que ninguém fizera em Grand Slams.
Foi semifinalista de pares no Open da Austrália em 2019 – variante na qual figurou em 26.º do ranking – e, em singulares, foi o primeiro a abrir caminho até à quarta ronda num Major – US Open (2018) e Wimbledon (2019) -, dando ao ténis em geral, e ao português em particular, horas de batalhas aguerridas de um Conquistador que, desde que aos 15 anos rumou para a Academia BTT de Barcelona, nunca virou o rosto a um desafio. Muito menos quando se tratava de representar Portugal na Taça Davis. É, pois, o recordista de eliminatórias disputadas (34) nos 16 anos em que vestiu a camisola da Seleção, também um máximo, neste caso partilhado com Nuno Marques e João Cunha e Silva.
O vimaranense é ainda o português com mais vitórias no total (41-29) e em singulares (30-19). Neste percurso glorioso, Sousa apenas tem a lamentar nunca ter conseguido ver Portugal chegar ao grupo de todas as discussões na Saladeira.
O pioneiro Nuno Marques
Até à Era Dourada do Conquistador, Nuno Marques deu rosto ao sonho de que a alta-roda do ténis internacional era possível para um Portugal a suspirar ao longe com os feitos dos jogadores do país vizinho. O portuense foi, aliás, o primeiro dos portugueses a derrotar um top-100, Fernando Luna, 81.º do ranking em junho de 1988, quando o portuense era modesto 232.º por ocasião de um Grand Prix de Atenas.
A Taça Davis vivia dos seus quatro Mosqueteiros. João Cunha e Silva, n.º 1 mundial de juniores em 1985, e a sua bandana com bandeira portuguesa na cabeça (108.º) dava primeiros passos no profissionalismo.
Emanuel Couto (174.º) e Bernardo Mota (194.º) completavam o quarteto sob os comandos de José Vilela, um dos ícones da modalidade, com a elegância do esquerdino Nuno Marques a dominar cá dentro – foi quatro vezes campeão nacional – e foi das mais assíduas presenças no circuito mundial da época. Soltou as amarras e, a 25 de setembro de 1995, assinou o melhor ranking de sempre de um português (86.º) em singulares, dado que em pares chegou a 58.º.
Portas abertas no top-100
Exemplo a seguir pelas gerações vindouras já no século XXI. Frederico Gil, o primeiro português a disputar a final de um torneio ATP em 2010, ano em que o Jamor teve a presença do lendário Roger Federer no Estoril Open, chegou a 62.º, a 25 de abril de 2011. Uma época de rivalidade salutar com Rui Machado, um dos mais fiéis representantes da Seleção Nacional da Taça Davis e ainda detentor do recorde português de 26 vitórias consecutivas no circuito, que furou a barreira do top-60, figurando em 59.º, a 3 de outubro de 2011.
Tal como Machado, também pioneiro entre os portugueses que procuraram no estrangeiro a sabedoria no mundo das raquetas – em Barcelona, no caso do algarvio –, também Gastão Elias emigrou, desta feita para os EUA para a afamada Academia de Nick Bollettieri, na Florida. Superou o recorde de Machado, chegando ao 57.º posto da hierarquia, a 24 de outubro de 2016.
Em idade mais madura, Pedro Sousa também se tornou membro da elite dos 100 (99.º), a 18 de fevereiro de 2019, antes de dizer adeus à competição, mas não ao ténis, pois abraçou a equipa do CAR da FPT, sendo dos treinadores que acompanha Henrique Rocha e Jaime Faria, promessas da modalidade.
Precocidade de Michelle e as selecionadoras pioneiras
Algo que, no feminino, apenas conseguiu Michelle Larcher de Brito, que foi 76.ª a 7 de julho de 2009. Aos nove anos, a lisboeta rumou à Florida com a família para aprimorar todo o potencial que lhe era reconhecido. Aos 14 anos, um mês e três dias tornou-se na sétima mais nova jogadora da história do ténis a ganhar uma partida no circuito WTA, quando bateu a Meghann Shaughnessy na primeira ronda do WTA de Miami. Notícias das pancadas fortes que saíam do corpo franzino ao fundo do court rapidamente correram mundo, sobretudo protagonizou parangonas quando, vinda do qualifying em 2013, fez história na 2.ª ronda de Wimbledon, derrotando Maria Sharapova, campeã na catedral do ténis em 2004 e antiga n.º 1 do ranking no qual figurava na terceira posição à época.
Da mesma geração, sobressaiu igualmente Maria João Koehler, tenista que queria ser médica, mas foi de raquetas em punho que a canhota treinada por Nuno Marques ficou às portas do top-100 (102.ª), com quatro títulos internacionais em singulares e outros tanto em pares e vários duelos com os nomes grados do ténis mundial, como aconteceu em Wimbledon frente a Viktoria Azarenka (2013).
A portuense conquistou seis títulos nacionais absolutos (entre 2009 e 2016), apenas superada por Peggy Brixhe (8) e Francisca Jorge, atual heptacampeã, Angélica Plantier (8), Sofia Prazeres (9) e Leonor Peralta (13).
Tal como Maria, que cedo arrumou as raquetas para passar a experiência aos mais novos como selecionadora nacional de sub-14, também Neuza Silva, com quase uma década como capitã da Seleção principal na Billie Jean King Cup (antiga Fed Cup), andara na alta-roda do circuito, tornando-se na primeira portuguesa a ultrapassar uma ronda no quadro principal de um WTA, no Estoril Open, quando este se tornou dos poucos eventos mistos. Neuza arrumou as raquetas com quatro títulos de campeã nacional absoluta, 12 troféus internacionais em singulares e 18 nos pares nos circuitos secundários, além de uma estreia única no court central de Wimbledon, em 2009, frente a Serena Williams, que liderava o ranking à data e viria a ser campeã nesse ano, um dos sete em que a norte-americana ergueu o apetecido Daphne Akhurst Memorial Trophy. Um passo em frente numa geração que também teve Frederica Piedade e Ana Catarina Nogueira por exemplos.
Era uma vez com Pinto Basto e o ténis em Portugal
Não há futuro ou presente sem passado. E, na longínqua história do ténis português não faltam personalidades cujo contributo foi preponderante. Não se sabe como seria o hoje se, em 1878, com 14 anos, Guilherme Pinto Basto não tivesse dado continuidade na Europa aos estudos encetados em Portugal. Dos conhecimentos adquiridos em Inglaterra, França e Alemanha nasceu o gosto pelo desporto. Numa época de super atletas, passou pela patinagem, hóquei no gelo, ciclismo, corridas de cavalos, tauromaquia (como bandarilheiro), vela, remo, automobilismo, golfe, futebol e ténis. Em 1950 – com 86 anos – era o mais idoso praticante de desporto em Portugal. No entanto, o futebol e o ténis foram paixões maiores. Não é por acaso que o consideram pai do futebol português, pois foi com ele, a par dos irmãos Eduardo e Frederico, que o dito desporto rei foi dado a conhecer.
O empenho no ténis foi, apesar disso, ainda maior. Ao mesmo tempo que laborava na E. Pinto Basto & Cª Lda., empresa gerida pelo pai Eduardo Ferreira Pinto Basto e pelo tio Teodoro Ferreira Pinto Basto, no court ia somando vitórias e conquistou nove edições dos Campeonatos Internacionais de Portugal. No dirigismo, foi o fundador do Club Internacional de Foot-ball, do Sporting Club de Cascais e presidiu à primeira direção da Federação Portuguesa de Lawn-Tennis, fundada em 16 de Março de 1925. Desempenhou o cargo até 1934, altura em que passou o testemunho ao amigo e diretor do Sporting Club de Cascais, Rodrigo Castro Pereira. Em 1946, foi eleito Presidente Honorário da Federação.
Castro Pereira em tempos de Sua Majestade
Em Cascais, o Sporting Club atraía pessoas para o lawn-tennis e tornava-se pioneiro na organização de campeonatos, juntamente com o Real Velo Clube do Porto. A vertente social dava espaço à competitiva. Entre os ilustres tenistas dos torneios de pares, estava o rei D. Carlos, amante da modalidade e amigo do presidente do clube. Na viragem do século XX, Guilherme Pinto Basto organizou um torneio de exibição com a presença de vários britânicos e o interesse crescente em torno da modalidade ajudou à criação de vários clubes e ao surgimento de torneios de pares mistos (ainda que algumas das duplas fosse 100% masculinas!), dos quais o monarca era presença assídua.
O ano de 1902 é marcado pela primeira edição dos Campeonatos Internacionais de Portugal no Sporting Club de Cascais, três edições mais tarde a competição singular de senhoras começa a fazer parte do programa. Os Interclubes chegam em 1909, com as provas masculinas a terem lugar na Tapada da Ajuda e a vitória a sorrir ao Club Português de Lawn-Tennis, de Santa Marta, que bateu o Lisbon Cricket Club, da Cruz Quebrada, por 7-2. Em pares mistos, o Carcavelos Club derrotou o Lisbon Cricket Club.
Implantação da República e da Federação
A implantação da República, a 5 de outubro de 1910, revelou-se um travão – a aristocracia que dava vida ao lawn-tennis segue o exemplo de D. Manuel II e exila-se no estrangeiro -, e a eclosão da I Guerra Mundial, em 1914, obriga portugueses e ingleses residentes no País a alistarem-se para combater. Exilado, Rodrigo Castro Pereira, que presidira à Federação, procurou integrar o exército português e, perante a recusa, foi tenente pelos Estados Unidos.
Finda a Grande Guerra, as raquetas voltam a ter lugar na sociedade portuguesa e, uma vez mais, graças à veia empreendedora de Guilherme Pinto Basto, os Campeonatos Internacionais de Portugal contam com grandes figuras dos loucos anos 20: Noel Turnbull, Manuel Alonso, Jean Borotra e Suzanne Lenglen.
A 16 de Março de 1925 foi, oficialmente, constituída a Federação Portuguesa de Lawn-Tennis, num passo de gigante para dar estrutura a uma modalidade que sonhava ver-se representada na maior competição por equipas do calendário masculino: a Taça Davis. Sem federação nacional, os tenistas portugueses não podiam competir. Assim, em 1924, nas instalações do Automóvel Clube de Portugal, lançaram-se as bases da Federação Portuguesa de Lawn-Tennis, que entrou em funções no ano seguinte.
José de Verda e António Casanovas, em singulares, e a dupla António Casanovas/Frederico Vasconcelos foram os eleitos da primeira convocatória. Portugal foi visitado por Itália em maio de 1925, em Lisboa. Ganharam os transalpinos por 4-1.
As participações na Davis tornam-se irregulares, mas o caminho para os Campeonatos Nacionais é encontrado com Frederico D’Orey, Angélica Plantier, António Casanovas/Frederico Vasconcelos e Angélica Plantier/Frederico Vasconcelos a serem os primeiros campeões da história.
Estádio Nacional da esperança
A inauguração, em 1945, do complexo do Estádio Nacional perfilava-se como um renascer da esperança para a prática do ténis nos nove courts disponibilizados na infraestrutura. Uma utopia…
A rivalidade entre Alfredo Vaz Pinto e João Lagos, a repartirem os títulos nacionais entre 1963 e 1972, animou os aficionados, enquanto em femininos
Peggy Brixhe e Leonor Peralta, com oito e 13 troféus conquistados, respetivamente, entre a décadas de 1960 e início da de 1980, com Deborah Fiúza a tentar contrariar tamanhas supremacias, escreveram a história do ténis em tempos de ditadura.
Liberdade com herança Mantero
Com a Revolução de abril de 1974, a direção de Manuel Cordeiro dos Santos à frente dos destinos da FPT (1976) trouxe expansão à modalidade. Em termos de resultados foi um período de hegemonia de José Vilela, mais tarde capitão da Taça Davis, com cinco títulos nacionais em singulares e sete nos pares, com João Lagos por parceiro.
Considerado desporto das elites, entretanto em apuros no pós-revolução, o ténis estava longe das massas e de finanças salutares. Eis que a herança de 10% da fortuna de Enrique Mantero Belard, estrangeiro radicado em Portugal, deixada à FPT rendeu lufada financeira e a instituição do Troféu Artur Mantero, como homenagem ao irmão do falecido filantropo que era um apaixonado pelo ténis. O primeiro troféu foi atribuído no Open de Portugal, torneio internacional masculino challenger, na segunda metade da década de 1980 e depois nos Nacionais Absolutos.
Do profissionalismo de Lagos ao da FPT
Nome incontornável do ténis, primeiro como praticante, depois como mentor dos projetos mais arrojados, João Lagos criou uma escola de ténis e uma empresa destinada à organização de eventos. A Sotenis promoveu Grandes Prémios, circuitos satélites, competições internacionais de juniores e challengers até chegar ao Estoril Open, na primeira vez que Portugal figurou no calendário oficial da Associação de Tenistas Profissionais (ATP Tour). Lagos convocou, ao longo de décadas, os nomes mais sonantes do ténis. Desde a exibição com o mítico Bjorn Borg, ao (J)amor de perdição com a vinda de Roger Federer em 2008 e 2010 à terra batida que também recebeu Novak Djokovic, Rafael Nadal, Juan Carlos Ferrero, Carlos Moyá e um punhado de campeões de Grand Slam que viriam a ser n.ºs 1 mundiais.
Paralelamente, a visão global do empresário lotou, em 2000, o Pavilhão Atlântico, agora MEO Arena, com a Masters Cup, evento que reúne os oito melhores da temporada num torneio que, naquele ano, se estreava como itinerante, deixando a amarras de uma década em Hannover, Alemanha, ou no Madison Square Garden nova-iorquino.
Ao fim de 25 anos, a licença do Estoril Open mudou de mão para o consórcio 3Love, Portugal passou a ter campeões ATP – João Sousa e Nuno Borges que ainda contabiliza troféu nos pares com Francisco Cabral, especialista da variante e detentor ainda do título em Gstaad – e tornou-se habitué em Jogos Olímpicos. A modalidade respira saúde com Jaime Faria, Henrique Rocha – este último entre os candidatos a disputar a NextGen Finals -, as irmãs Francisca e Matilde Jorge e, até nos escalões de formação, a Seleção Nacional de sub-16 garantiu lugar na discussão da Taça Davis júnior.
Sob a batuta de Vasco Costa, a FPT transformou o ténis português, dando-lhe as condições necessárias para a profissionalização. Promotor de torneios ITF, nove challengers com ambição de elevar para os dois dígitos os eventos deste nível no calendário, organizador (quase) residente de Campeonatos do Mundo de veteranos, o organismo permite fazer intramuros aquilo que só era possível almejar lá fora: formar campeões. O futuro antevê-se promissor e com muita história por escrever…